Valores no Esporte

É muito comum ouvirmos nos meios de comunicação sobre as virtudes,  os valores, os legados e a importância do esporte para o desenvolvimento de crianças e jovens.

Valores no EsporteEstaria sendo hipócrita em dizer que não acredito no esporte como potencial de desenvolvimento humano. Caso contrário, atuaria em outra área. Mas, me incomoda certas crenças e mentiras repetidas que se tornam “verdades absolutas”, como o esporte: molda o caráter, é disciplinador, promove a cidadania, é educativo por natureza, é absolutamente saudável. Será?

Da maneira que é posta muitas vezes o esporte é visto hoje como um “ente” dotado de super poderes, capaz de “salvar” a espécie humana de seus pecados e de suas mazelas.

Gosto muito da visão de Pierre Parlebás: “ o desporto não possui nenhuma virtude mágica. Ele não é em si mesmo nem socializante nem anti-socializante. Ele é aquilo que se fizer dele. A prática do judô ou do rúgbi pode formar tanto patifes como homens perfeitos, preocupados com o fair-play.”

O esporte é um simulacro da vida, um é um dos fenômenos sociais que mais alcance possui, é globalizado. É aceito em todas as culturas e etnias, é político (como um fim e também com um meio). Existem leis e normas que contempla a prática de esporte para população em geral, por exemplo, na Constituição do Brasil, no Estatuto da Criança e do Adolescente no PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento). Na maioria das vezes, infelizmente, não é posto em prática essas diretrizes. Há um abismo entre o que está escrito e o que existe na realidade.

Fair-play? Depende?

É inegável que os feitos sobre-humanos dos grandes atletas e equipes inspiram as pessoas. Mas e quando certos comportamentos são contraditórios? Ou quando algumas atitudes são pormenorizadas em função da paixão clubística? E seleções nacionais que ‘fazem corpo mole’ para cruzar com um adversário teoricamente menos expressivo no decorrer de uma competição?

Vamos aos fatos…O que dizer do “mito”, Lance Armstrong? Sobrevivente de três cânceres  e um dos maiores impostores do ciclismo. Foi banido do esporte por uso constante de doping. Construiu sua imagem, atraiu multidões e legiões de fãs, através de uma mentira que veio a tona há pouco tempo. Qual o legado para aqueles que de alguma maneira se inspiraram em sua trajetória?

O que há em comum entre atacante Barcos, atualmente no Palmeiras e o alemão, Klose, atleta da Lazio da Itália?  O primeiro fez um gol de mão e se revoltou com o juiz quando o mesmo anulou o lance. O segundo, ao fazer o gol de mão avisou ao juiz que havia feito de maneira irregular. Dois lances parecidos, mas que renderam muitos comentários prós e contras de ambos os lados. Muitos torcedores do Palmeiras defenderam o atacante, inclusive a diretoria do clube se revoltou contra a marcação do arbitro da partida e tentou anular o jogo ou reaver o gol não validado. Muitos torcedores da Lazio se perguntaram por que seu jogador avisou o juiz? O gol do alemão trouxe a tona discussões sobre o fair-play, sobre a honestidade, ética e moral no esporte. Comportamento que deveria ser corriqueiro, mas é raro no futebol talvez devido ao fanatismo que essa modalidade exerce não há espaço para isso. E se o gol valesse título, Klose teria a mesma atitude? E os torcedores que foram a favor do comportamento dele nessa ocasião, como reagiriam?

Duas seleções brasileiras protagonizaram episódios distintos recentemente. A seleção de vôlei masculina jogou pelo regulamento e “perdeu de propósito” para a Bulgária no campeonato mundial em 2010 na Itália para evitar o cruzamento contra Cuba. A seleção de basquete masculina da Espanha também “perdeu de propósito”  da seleção brasileira nos Jogos Olímpicos de Londres para evitar os americanos numa possível semifinal. Vale escolher adversário quem quer ser um legitimo campeão? O pragmatismo deve ser um método que não importa os meios para atingir a vitória?

Diante desses acontecimentos que tipo de valor pode ser agregado para as crianças, para os jovens e para os espectadores do esporte? Levar vantagem, a malandragem, o jeitinho, só é valido quando não estamos envolvidos passionalmente? Ou não há espaço em nossa sociedade para refletirmos sobre honestidade e lisura como valores primordiais no esporte de rendimento?

O lado positivo …

O esporte tem muito as nos ensinar, por isso pode ser uma ferramenta se for bem utilizado para complemento da educação. Na pratica de uma modalidade é possível aprender virtudes, fazendo, refletindo e sentindo. Isso pode ser imediato, numa mesma partida ou ao longo de uma competição. É possível aprender habilidades sociais que podem ser generalizadas para vida, como: tolerância a frustração, busca por objetivos, disciplina, respeito à diversidade, superação, cooperação, altruísmo, autoconhecimento e muitos outros comportamentos.

A competição é o combustível de qualquer modalidade esportiva e pode ser executada de maneira leal, honesta e saudável. Ela não precisa ser predatória, desumana ou imoral como verificamos em muitos aspectos de nossa sociedade. Na competição tem de exacerbar a meritocracia, ela tem de ser prazerosa e compreendida como natural em nosso cotidiano.

Um exemplo pessoal …

Valores no EsporteAtuo num projeto social (Instituto Rugby para Todos), localizado na comunidade de Paraisópolis, bairro pobre de São Paulo.

Uma de nossas grandes dificuldades é ensinar aos nossos alunos que o arbitro de Rugby é soberano, autoridade máxima em campo, somente os capitães de cada equipe podem se dirigir ao mesmo. Inclusive, se o arbitro se equivocar em alguma marcação, ele deve ser  sempre chamado de “Senhor” e tratado com respeito, pois ele é um elemento fundamental do jogo. Essa é uma das principais regras da modalidade.

Acredito que nossas dificuldades passam também pela exposição inevitável de nossos alunos as transmissões de outros esportes e pela influencia que muitos exercem em nossa cultura, principalmente, o futebol. Nesse, as reclamações com a arbitragem beiram a histeria coletiva. Mas também acontecem no vôlei,  no tênis,  no basquete, entre outros, não só por atletas, mas por dirigentes, por técnicos, membros das equipes, da imprensa e por torcedores.

Quando falamos de valores temos de levar em conta diversos elementos e sempre lembrarmos que nossa relação com a aprendizagem no esporte é sempre “uma via de mão dupla” para quem está aberta a mesma, tanto influenciamos como somos influenciados. Incomoda-me a postura de alguns mediadores (sejam qual for à nomenclatura: educador, treinador, psicólogo, técnico, assistente, professor) a onipotência de achar que “estou aqui para transmitir o conhecimento”, ambos são afetados.

O mediador nesse processo tem uma grande responsabilidade. Não só do ponto de vista teórico, mas diria que principalmente, do comportamental. Os livros de Psicologia do Desenvolvimento já nos ensinaram há tempos, o que nós fazemos é muito mais reforçador do que o que nós falamos para ensinar comportamentos. Nossas ações são fundamentais, nossa conduta, nossa postura, nossa humildade e nossa paciência são elementos essenciais para nos relacionarmos com as crianças e jovens em desenvolvimento.

Para finalizar ….

Qualquer forma de conhecimento não passa por osmose. Portanto, para desenvolver competências para vida utilizando o esporte é necessário estrutura de trabalho, avaliação sistemática dos processos, verificação de impactos das ações nos sujeitos, flexibilidade metodológica e objetivos em longo prazo.

O esporte é um elemento de nossa cultura que pode servir para compreender melhor o ser humano em diferentes áreas do conhecimento. Por isso ele é tão diverso, paradoxal e fascinante.

Referências:

SANTOS, A. R.R. Espírito Esportivo – Fair Play e a prática de esportes. Revista Mackenzie de Educação Física e Esporte, 2005.

FALCÃO, R.S. O Rúgbi num projeto social: relato de uma experiência. Revista Brasileira de Psicologia do Esporte, 2010.

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Abraços

Até!!!

2 comentários em “Valores no Esporte”

  1. Belo material, obrigada por compartilhar.
    Jogo rugby, e como defesa de TCC gosraria de abordar o mesmo, pois ao meu ver, o rugby é um esporte que se destaca dos demais esportes. Porém como você cita Perlebás : a prática do rugby pode formar tanto patifes como homens perfeitos.
    Me levando a pensar que é necessário muitos estudos pra solucionar tais assuntos.

    1. Rodrigo Scialfa Falcão

      Sem dúvida, o mais importante, inclusive, qdo citei o Parlebás é demonstrar que a mediação é fundamental para uma boa formação de valores. Se não tivermos profissionais com essa intencionalidade e qualificados para tal, certamente, teremos péssimos exemplos de conduta e reproduziremos tudo de ruim de nossa sociedade nas práticas esportivas.

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