Carta ao COB por Rogério de Almeida*
Excelentíssimos,
É com indignação, temeridade e perplexidade que recebo a notícia de que o COB solicita o recolhimento do livro Esporte, educação e valores olímpicos, de autoria da pesquisadora, professora e escritora Katia Rubio, cuja contribuição para o desenvolvimento dos estudos acerca do esporte, do olimpismo e do imaginário olímpico é inestimável. Segundo documento do COB, o “uso dos termos ‘olímpico’, ‘olímpica’, ‘olimpíada’, ‘Jogos Olímpicos’ e suas variações… são de uso privativo do Comitê Olímpico Brasileiro no território brasileiro”.
Diante do teor do documento, gostaria de questionar em que momento o Brasil, representado pelo COB, comprou os direitos autorais dos gregos para ter uso exclusivo de um termo (Olimpíada) que foi cunhado para homenagear os deuses do Olimpo. Será que a negociação foi feita diretamente com os deuses? Sequer a língua que usamos é nossa, já que se chama “portuguesa”, a qual, por sua vez, faz parte das línguas românicas, que tiveram origem a partir do latim, antiga língua dos Lácios incorporada pelos romanos, os quais tinham muito mais respeito pelos gregos (afinal, nunca tentaram “patentear” nenhuma de suas palavras).
Também desconheço essa manobra de tornar palavras de “uso privativo”. Se isso é legal, gostaria de registrar “felicidade”, “esperança” e “vitória” para uso privativo meu. E sugiro, o quanto antes, que o COB registre “vergonha”, “censura” e “autoritarismo”, pois lhe cabem com justeza e justiça.
Num país (prefiro não dizer qual, pois temo que a palavra também já tenha sido “patenteada”) em que já nos acostumamos com o “pão e circo” promovido pelos donos do poder (de todas as esferas, inclusive do esporte), de cujos reais interesses sempre desconfiamos (para não dizer que sabemos), a palavra de ordem é festejar. Então, festejemos os “jogos modernos que aludem aos jogos gregos que homenageavam os deuses do Olimpo” (desculpem-me a perífrase, mas temo represálias pelo uso da palavra adequada e agora tornada de uso restrito)! Vamos fazer festa, já que qualquer manifestação em contrário será tachada de anti-patriótica. Sim, façamos festa! Mas nem por isso deixemos de trabalhar.
É o que pretende a profa. Katia Rubio, continuar trabalhando, como faz há anos. Só que seu trabalho é justamente investigar o imaginário do esporte, dos Jogos (vocês-sabem-quais-são) e dos atletas que o praticam. E não de qualquer maneira, mas com seriedade, rigor acadêmico, científico e reconhecimento nacional pela enorme contribuição que, muito antes da festa de 2016, e independente dela, tem prestado. Estudos legitimados por seus pares e, principalmente, pela mais importante universidade deste país, a qual felizmente posso mencionar, não por fazer parte dela, mas por ser de uso privativo – a USP.
Portanto, só pode caber repúdio à censura imposta pelo COB (posso usar a combinação destas três letras?)!
É inadmissível que se confisque palavras do dicionário, da nossa vida comum, e proíbam determinadas pessoas (sim, porque a palavra está em todo canto da mídia) de usá-las. É inadmissível que se proíbam livros, quaisquer que sejam seu teor. É inadmissível que, num país democrático e com direitos assegurados pela Constituição, qualquer cidadão seja privado de expressar suas idéias.
Dessa forma, antes de tornar público meu email, solicito que se devolvam as palavras aos seus lugares de origem, ou seja, ao povo, ao falante, ao brasileiro, seja ele escritor, atleta ou dirigente, e que cesse qualquer atitude de censura a quem contribui para o esporte e o estudo dos jogos olímpicos (desculpem-me pelo uso da palavra).
Grato pela oportunidade de usar as palavras que ainda me são permitida usar,
*Prof. Dr. Rogério de Almeida
Faculdade de Educação da USP
Av. da Universidade, 308
CEP 05508-040 – São Paulo – SP
Mais sobre o assunto, recomendo os links abaixo.
http://blogdocruz.blog.uol.com.br/arch2010-02-01_2010-02-28.html
Abraços.
Até!!!