A importância dos professores de educação física na formação humana deveria ser mais valorizada. Durante a infância e a adolescência, o papel de um técnico esportivo deveria ser muito mais educativo, ensinar sobre o esporte mas também sobre os valores que ele pode proporcionar no complemento da educação e cidadania. Experimentar a tolerância a frustração diante de derrotas por exemplo, o trabalho em equipe, a cooperação com os colegas, o bem estar nas atividades realizadas, a lealdade aos adversários, a coragem, o altruísmo, o respeito, são fatos corriqueiros durante as praticas e vivencias esportivas. Cabe aos treinadores proporcionar com que todas as crianças possam jogar, brincar e se divertir, propiciando um ambiente seguro e confiável para que essas ações aconteçam. Por isso, concordo que alguns técnicos possam ser chamados de professores, quando existe troca ocorre aprendizagem para ambos.
No esporte um treinador que não for competitivo estará fadado ao fracasso. A competição é o seu combustível, seu elemento primordial, no entanto, ela poderia ser saudável, respeitosa e meritocrática. Ela não deveria ser sinônimo de algo onde só se busca a vitória a qualquer custo e onde se valoriza apenas os vencedores. Isso pode ser ensinado desde a iniciação esportiva. Um bom treinador estimula o desenvolvimento competitivo saudável de seu grupo, proporcionando um ambiente acolhedor em que se possa buscar a evolução das habilidades motoras e emocionais.
Treinadores modernos poderiam adquirir muitas competências e habilidades pessoais, as principais são: saber trabalhar em equipe, delegar tarefas e papéis, ser um líder democrático com os membros de sua comissão técnica, ser carismático com os atletas e afetuoso. Um líder democrático não quer dizer que ele não tenha opinião própria, ao contrário ele escuta seus colegas para tentar obter as melhores decisões. Um bom técnico transforma grupos de atletas em equipes, ou seja, desenvolve a coesão e o respeito acima das individualidades. Porém, entendem, que as individualidades são importantes e podem ser desenvolvidas, a equipe só tem a ganhar quando suas individualidades conseguem atingir todo o seu potencial. Saber liderar também é ensinar liderança, desenvolver um ambiente confiável e ter preocupação com o lado humano de seus comandados.
Outra competência importante é ser um estudioso do esporte em que atua. Ter métodos de trabalho claros, consistentes e comprováveis é algo fundamental para a carreira. Ser uma pessoa atenta, curiosa, que saiba reciclar as idéias e aprender para evoluir profissionalmente pode ser um diferencial profissional. Mas, tão importante quanto isso é saber como gerir grupos e motivar as pessoas. Afinal, os atletas precisam compreender e acreditar nas intenções de seu treinador, precisam perceber que há sentido nas estratégias transmitidas para as diferentes situações . Portanto, para que isso ocorra é extremamente importante os treinadores ter uma comunicação efetiva, não só através da oratória mas nos diversos tipos de comunicação (visual, sinestésica, textual). Já que, existe atletas que percebem de diferentes maneiras, uns necessitam apenas de ouvir as instruções, outros tem de experimentá-las durante o treinamento, há alguns que necessitam visualizar determinadas orientações, por exemplo.
Venho acompanhando o basquete de base pouco mais de cinco anos. Cansei de assistir competições com jovens menores de 15 anos, em que muitos adolescentes que treinaram duro durante a semana não puderam competir num jogo. A opção de ganhar a qualquer custo por seus treinadores foi mais importante do que expor as contingencias da competição aquelas pessoas que ainda não estão habituadas aos sentimentos e emoções advinda da mesma. É mais ‘fácil’ deixar no banco alguém sem repertório, com pouca habilidade e com pouca segurança do que ajudá-la a adquirir essas competências ao longo da temporada ou durante uma partida com um adversário mais fraco. Pior ou talvez mais cruel do que isso, é oportunizar a entrada num jogo e após os primeiros erros tirar o adolescente alegando que o mesmo não conseguiu executar o que foi solicitado. Quando na realidade ele não teve tempo de controlar suas emoções para tentar colocar em prática o que vinha aprendendo ao longo do tempo. Tenho certeza que casos semelhantes acontecem em todas as modalidades coletivas. Assim como, o amadurecimento biológico é pessoal o amadurecimento psicológico também é, e nesse sentido se os jovens não forem expostos a certas situações de jogo como poderão dar conta das demandas emocionais que as competições exigem?
No Brasil e em muitos países seguiram um modelo militarizado de treinamento esportivo. Provavelmente, devido ao inicio das escolas de educação física ocorrerem em colégios militares. Em sua maioria com estilo autoritário de liderança. Esse estilo se propagou e por muito tempo foi o único método de ensino no esporte e ainda é exercido em muitas condutas de treinadores. No meu modo de perceber esse modelo está ultrapassado. Pensando em nossos jovens atletas, creio que eles necessitam de um modelo de treinador com autoridade e não autoritário. Treinadores autoritários são repressores e punitivos. Exercem ‘respeito’ pela aversão e o medo, são centralizadores, caricatos, agressivos, intolerantes, supersticiosos, rígidos e inflexíveis. Ser autoritário com atletas adultos beira o absurdo, porque deveríamos tolerar isso com crianças e jovens em desenvolvimento? Em contra partida, treinadores com autoridade tendem a construir confiança, dão limite, são pacientes e dão feedback. Geralmente é um educador, um pacificador. Propiciam um ambiente de trocas e interações saudáveis, leve e acolhedor. Um treinador com autoridade ajuda a regular as emoções, já que, nas práticas esportivas experimentamos todas elas. O treinador autoritário, vê a competição de forma predatória, como o único fim, quer vencer a qualquer custo, o treinador com autoridade usa a experiencia competitiva para ajudar a desenvolver seus atletas. Pegando exemplos do futebol profissional, os treinadores: Tite, Guardiola, Zidane, Simeone e Klopp. Todos de escolas, métodos e visões de trabalho diferentes. Todos campeões e gerenciando grupos de altíssimo nível. Entretanto, aparentemente com semelhanças quanto a postura de autoridade com seus comandados. Modelos de treinadores modernos.
“Para ser um ótimo técnico, não basta ter informação, conhecimento. É necessário ter também sabedoria, enxergar os detalhes subjetivos e objetivos, além de fazer com os jogadores executem bem o que foi planejado. A sabedoria não está nas escolas, nos livros, mas, sem os livros, não existe sabedoria.” Tostão (24/04/2019).
Segundo o psicólogo esportivo espanhol Jose Maria Buceta* (não é erro de grafia, esse é o sobrenome dele mesmo):
“ Em linhas gerais parece claro que a primeira tarefa de um treinador deve consistir em estabelecer, seriamente, quais são as características dos atletas com os quais vai trabalhar e quais devem ser, em função dessas, as prioridades de seu trabalho com esses atletas. A partir daí, deve decidir seu estilo de funcionamento, levando em conta que é este que deve adaptar-se as prioridades, e não ao contrario.
O treinador deve sempre levar em conta as circunstancias que estão presentes em cada momento e avaliar as possíveis consequências dos distintos estilos. Na verdade, deve saber utilizar todos os estilos de tomada de decisões e alterná-los corretamente. Dar mais ou menos participação as seus atletas é uma habilidade decisiva para os treinadores, pois, em muitos casos, não é o conteúdo de suas decisões que repercute negativamente em seu trabalho, mas a forma e o momento inapropriado de tomá-las, aliado a falta de uma perspectiva ampla e um método de funcionamento flexível que o impeçam de levar em conta as múltiplas implicações, a curto e longo prazo, de uma determinada decisão.
Muitos treinadores perdem a credibilidade e a aceitação de seus atletas e, portanto, grande parte de seu poder, porque falham nessas questões, e isso independe dos conhecimentos técnicos que tenha de seu esporte. Trata-se, especificamente, de uma habilidade para controlar as decisões que afetam seus atletas em cada circunstancia concreta. Alguns treinadores, sem ter recebido ajuda especializada, desenvolveram essa habilidade no transcurso de sua carreira. Outros, não alcançam o nível que corresponderia a seus conhecimentos técnicos, precisamente porque carecem dessa habilidade. Em qualquer caso, todos os treinadores podem melhorar se, da mesma forma que ocorre com seus atletas, forem treinados para isso. Portanto, a necessidade do treinamento dos treinadores nesse aspecto é tão importante que resulta obvia”.
É extremamente difícil ser treinador, uma tarefa as vezes injusta, por existir uma cultura de cobranças por resultados e vitórias. Dependendo da modalidade as exigências aumentam, a pressão de torcida, dirigentes, patrocinadores, jornalistas influenciam direta ou indiretamente no cotidiano de trabalho.
A seguir, apresento um resumo dos possíveis conteúdos da intervenção psicológica com treinadores baseado no conceito do psicólogo do esporte, José Maria Buceta:
– Assessoramento: decisões sobre os atletas; decisões sobre o quadro técnico; relação com os dirigentes; comportamento geral com os atletas; atuação em reuniões com atletas e dirigentes; atuação em momentos críticos; solução de problemas; elaboração de programas de intervenção psicológica a ser aplicado pelo treinador nos âmbitos do treinamento, da competição e da organização em geral.
– Treinamento em habilidades para influenciar psicologicamente os atletas: estratégias ambientais; habilidades para negociar; habilidades de comunicação; direção e manejo de recursos humanos; técnicas especificas para influenciar em cada variável psicológica relevante.
– Treinamento de habilidades para otimizar o próprio rendimento: estabelecimento de metas e objetivos pessoais; planificação do tempo; controle do estresse; solução de problemas; avaliação do próprio rendimento; preparação para o treinamento e competição; técnicas para aperfeiçoar o próprio rendimento no treinamento e na competição; técnicas de autorregulação depois da competição.
Por fim, o sucesso de equipes esportivas está associado cada vez mais ao trabalho interdisciplinar. O psicólogo do esporte é um elemento que pode contribuir para o desenvolvimento de equipes e da carreira de treinadores de maneira geral. No esporte moderno não cabe mais um único olhar e o trabalho de disciplinas isoladas.
Referências:
https://www.youtube.com/watch?v=-tcHp-P4Ypk&feature=share&hd=1
http://pt.slideshare.net/WILLYFDEZ/asi-veo-al-entrenador-jorge-valdano
José Maria Buceta (2010). Psicologia dos Treinadores Esportivos: conceitos fundamentais e áreas de atuação, in: O treinador e a psicologia do esporte; coleção psicologia do esporte e do exercício. Ed. Atheneu.
Katia Rubio, (2003). Estruturas e dinâmica dos grupos esportivos, in: Psicologia do Esporte: teoria e prática. Ed. Casa do Psicológo.
Robert Weinberg & Daniel Gould, (2001). Dinâmicas de grupo e equipe, in: Fundamentos da Psicologia do Esporte e Exercício. Ed. Artmed
Abraços …
Parabéns pelo artigo!
Técnico hoje deve ser muito bem preparado, conhecer as tecnologias e estar sempre um passo a frente. é um verdadeiro desafio.
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