Um texto da profa. Katia Rubio, no jornal Folha de S.Paulo, uma das mais importantes pesquisadoras da Psicologia do Esporte no país. Me fez refletir sobre algumas questões. Principalmente, com relação ao ‘cancelamento’ dos Jogos Olímpicos de Tóquio.
Sinceramente, se o ritmo de imunização no mundo permanecer da maneira que está atualmente, não sou favorável a realização desse evento tão importante para o esporte, cultura e entretenimento mundial.
“Por isso, acredito que profissionais do esporte, embora sejam importantes para manter a maquina do entretenimento girando, devem dar a sua vez para quem ainda salva vidas.”
Não demorou para alguém sugerir que atletas tomem a vacina antes da fila. Esse assunto veio à tona após a senadora Leila Barros (PSB-DF), conhecida como Leila do Vôlei, propor a vacinação da delegação que vai disputar os Jogos Olímpicos de Tóquio. A ideia seria implementada como emenda ao Projeto de Lei que visa aderir ao acesso global de vacinas, chamado de Covax Facility. O senado rejeitou tal proposta que nem entrou em votação.
Por falar nisso, sei que como profissional da saúde e do esporte pode parecer estranho e paradoxal ser a favor do cancelamento dos Jogos Olímpicos. Infelizmente, o momento da humanidade é inédito e não acho que o “show deve continuar”. Que me perdoem atletas, comissões técnicas, colegas de classe e demais profissionais envolvidos com o evento no nosso país. Creio que as atenções do mundo devem ser voltadas para a vacinação em massa da população nos diferentes continentes. Alguns podem dizer, “ah mais uma coisa não tem nada haver com outra”. Será ? Como fica a preparação de um atleta num país em que índices de contaminação pela doença são altos e o número de pessoas vacinadas ainda é irrisório? Será que os países que conseguiram controlar a disseminação dos vírus seus atletas terão mais vantagens ? Será ético do ponto de vista dos valores olímpicos o evento nesse momento?
Campeonatos de diversas modalidades estão ocorrendo pelo mundo, mas nenhum com a magnitude dos Jogos Olímpicos. Mesmo eventos menores a contaminação entre os atletas acontece. Os exemplos ocorridos no campeonato brasileiro de futebol mostram bem essa complexidade . Sei que o nosso país não é um parâmetro positivo no combate a doença. Haja visto o que ocorreu com o atleta, Valdivia, do Avaí, ele soube que estava infectado no intervalo de um jogo de futebol. Atuando contaminado durante boa parte do jogo. Achei um grande desrespeito com o atleta e todas as pessoas envolvidas naquela circunstância, uma situação bizarra para dizer o mínimo.
O evento olímpico prevê o encontro de representantes de 206 países, com a hospedagem de 11 mil atletas, mais equipes de apoio, numa vila de Tóquio. A seguir, acontecerá a Paraolimpíada, outra competição de porte. Minha preocupação é com a saúde dessas pessoas e com os cidadãos país anfitrião. Por mais controle, tecnologia e expertise que se tenha num país como o Japão, o risco sanitário é muito grande. Será que vale expor essas pessoas ?
Segundo o jornalista, Edgard Alves:
“ No Japão, o governo estendeu o estado de emergência em Tóquio e outras regiões até 7 de março, na campanha de contenção do surto de coronavírus. O primeiro-ministro Yoshihide Suga consultou especialistas para anunciar a medida. Segundo ele, a pandemia está diminuindo, mas a vigilância deve permanecer por mais algum tempo.
Apesar do otimismo de Suga, o número de infecções ainda é alto e o sistema médico continua tenso, revelou Shigeru Omi, médico que preside o subcomitê governamental de coronavírus. A pandemia registra mais de 5.700 mortes e cerca de 400 mil infectados no país.
A Olimpíada é um desafio para os japoneses, que pretendem mostrar o novo momento do país para o mundo. Mas, desde o adiamento dos Jogos por causa da pandemia, que cresceu no Japão, o ceticismo tomou conta da população.
A crise na saúde também provocou impacto na economia e nos negócios, causando desconforto e insegurança no país. Pesquisa recente apontou que 80% dos japoneses acham que os Jogos devem ser adiados novamente ou cancelados definitivamente. Antes, os números eram favoráveis aos Jogos.
O governo japonês estuda até o endurecimento da lei de doenças infecciosas para pacientes que resistem à hospitalização e para aqueles que se recusam a participar de pesquisas epidemiológicas elaboradas pelas autoridades de saúde.”
Nunca houve igualdade de condições na preparação atlética entre os competidores dos diferentes países. Agora com a pandemia escancarou a desigualdade social entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. Isso tem consequências direta e indiretamente no esporte de maneira geral.
Pense num de atleta hipotético, de alto nível de uma modalidade pouco tradicional. Tentando índice olímpico. Essa pessoa consegue alguns patrocínios de ocasião e tinha bolsa atleta por bons resultados. Mas, para conseguir se manter, ter um pouco mais recursos financeiros, dava aulas em academias e projetos sociais. Com a pandemia acabou os patrocínios, acabou as aulas. Será que afetou sua preparação ? E seu estado emocional ? Sua preocupação com familiares, amigos e alunos, pode influenciar na sua motivação ? O glamour, dinheiro e fama não é a realidade da maioria dos atletas olímpicos do Brasil. Muitos tem de trabalhar para poder treinar e não conseguem se dedicar integralmente a sua preparação atlética.
O sonho olímpico é para muitos atletas o triunfo de uma carreira, o coroamento de uma vida dedicada ao esporte. É o auge para muitas pessoas. Imagino quão frustrante pode ser o cancelamento dos Jogos Olímpicos para todos os envolvidos com esse magnifico evento. Mesmo assim, a vida, a saúde coletiva, deveria estar em primeiro lugar.
Foi assistindo jogos olímpicos na minha infância e adolescência que meu amor pelo esporte e pela psicologia foram forjados. Terei certamente uma grande frustração caso as competições não ocorram. Mas acho que mesmo assim, Tóquio 2020/2021 não deveria acontecer. Penso que a vida é o nosso bem maior e devemos fazer tudo o que podemos para preservá-la.