Ainda é muito cedo para falar de legados dessa copa do mundo que acabou de se encerar, com a vitória incontestável da equipe alemã. Porém, vou esboçar algumas impressões e devaneios que tive nesse mês intenso e de fortes emoções para todos nós que gostamos de esporte.
Legados:
Tivemos um torneio excelente dentro de campo, marcante e histórico. Os receios anteriores quanto a possíveis catástrofes urbanas e logísticas se dissiparam e o país fez um bom anúncio de si mesmo. Tivemos problemas fora de campo que não devem ser esquecidos, como frisou bem o jornalista Juca Kfouri:
” elefantes brancos que ficarão como heranças pesadas, superfaturamentos, mortes de trabalhadores nos estádios ou embaixo de viadutos, feriados para minimizar congestionamentos, desocupações desumanas, falta de iluminação no jogo de abertura, invasão de torcedores no Maracanã, prisões arbitrárias para evitar manifestações, shows pífios de abertura e encerramento, enfim, o rebaixamento, como vingança, do tal padrão Fifa”.
Sediar um evento dessa magnitude é bem questionável para um país com outras prioridades como o nosso. Talvez, Fifa e seus parceiros possam repensar seu modelo de exploração, pois o futebol é muito maior do que qualquer entidade.
Os estrangeiros foram muito bem tratados, somos um povo caloroso e acolhedor, isso , não é novidade, reforçamos mais ainda esse estereótipo de bons anfitriões. O jeito de ser descontraído do povo brasileiro, a nossa simpatia, carisma, extroversão, isso já é conhecido em nossa cultura e foi amplamente divulgado internacionalmente.
Desmascarar o envolvimento de membros ligados a Fifa no episódio da descoberta da máfia dos ingressos, a Operação “Jules Rimet”, talvez seja realmente um dos mais importantes legados dessa Copa. A Policia Federal conseguiu o que as policias internacionais, CIA e a Scotland Yard, não conseguiram. Aguardaremos se mudanças ocorrerão a partir desse episódio.
Até os americanos estão se rendendo ao ‘soccer’, os níveis de audiência foram maiores do que finais da NFL e da NBA, o presidente americano deixou seus compromissos para assistir os jogos de sua seleção.
Há muita coisa em jogo, além do jogo em si. Esporte e política se misturam e se discute sim. Por todos os lados, as bandeiras ideológicas e partidárias quiseram se aproveitar da Copa, antes, durante e agora após o mundial, é o populismo no futebol. Eu discordo da frase que diz que “o futebol é o ópio do povo”. Talvez todo esse turbilhão de coisas que vivemos após as manifestações de Julho de 2013, fez com que de alguma maneira pudéssemos ter pessoas mais consciente? A proximidade do mundial pautou algumas reivindicações. O sociólogo alemão Albrecht Sonntag, comentou sobre esse tema:
“a grande imagem positiva que ficará para o mundo não é apenas a de um país que sabe apreciar o futebol, mas a de uma sociedade madura e democrática que, ao mesmo tempo, sabe se rebelar e pedir a seus governantes mais justiça social, mais igualdade e menos corrupção.”
Nunca antes nesse país se falou tanto em psicologia no futebol e suas influencias dentro e fora de campo. Nunca antes demos tantas entrevistas, nunca antes estivemos em tanta evidencia. Nunca antes psicólogos do esporte foram tão procurados para comentar em todos os veículos de comunicação possíveis (dos mais famosos e populares, aos blogs alternativos e as rádios religiosas). Particularmente, achei muito relevante para a nossa área esse tipo de divulgação. Até porque, a maioria das pessoas nem sabem do que se trata a Psicologia do Esporte. Em muitos momentos falou-se mais de psicologia do que propriamente de futebol. Talvez essa exposição na mídia possa vir a ser mais um legado da copa do Brasil.
Não nos faltou assunto para observarmos e debatermos durante as competições. Discorremos sobre a mordida de Luiz Suárez, sobre o choro dos brasileiros, sobre a emoção a flor da pele durante o hino nacional, sobre a pressão que sofreram os jogadores, sobre as reações passionais das torcidas, sobre a goleada diante da Alemanha e outros temas. Não faltaram expressões ‘psis’ em tudo que é local, da mesa de bar, as mesas redondas de programas esportivos, hipervalorizado pelos ânimos exaltados das redes sociais. Emocional, concentração, frieza, ansiedade, loucura, medo, angústia, estresse, resiliência, superação, motivação, perfil, personalidade, coesão de grupo, lideranças etc, tomaram conta do vocabulário das pessoas durante esse mundial.
As divergências de opinião entre colegas de profissão também contribuiu para o debate diante dos temas relacionados a nossa área de atuação, inclusive isso foi exposto na mídia. Opiniões diferentes enriquece as discussões e engrandece nossa ciência. Há várias maneiras de atuação em psicologia do esporte, há muitos olhares para o mesmo fenômeno. A pluralidade de teorias sobre o mesmo comportamento é imprescindível para entender a complexidade que é o ser humano e suas interações. Fundamental além de tudo, é a ética e o respeito as opiniões divergentes, principalmente, sobre criticas diante da maneira de atuar de colegas. Como diz o provérbio Chinês, “ser pedra é fácil, difícil é ser vidraça”. Contudo, creio ser positivo para todos que militam na psicologia do esporte no Brasil a exposição nos meios de comunicação da atuação da Profa. Dra. Regina Brandão junto à seleção brasileira de futebol.
Seleção Brasileira:
A seleção brasileira em nenhum momento da competição foi uma equipe convincente. Os jogadores estavam extremamente pressionados por jogar em casa, por já terem perdido uma Copa aqui e não havia outro resultado esperado por torcedores e pela mídia a não ser a vitória, segundo lugar seria um fiasco, isso foi inclusive reforçado por comentários do coordenador Carlos Alberto Parreira. Não é fácil sustentar a expectativa e a pressão de 200 milhões de brasileiros e todo o contexto político e social que envolve o futebol no Brasil. O fantasma de 1950 rondou nossos atletas, ninguém queria ser o algoz da vez, o “Barbosa” de 2014. Percebemos isso em diversas ocasiões, no choro, na emoção dos jogadores durante o hino nacional principalmente, no jogo contra o Chile. O choro em si não é necessariamente ruim, ele pode ser sintoma de algo. O mestre Tostão, ilustrou bem isso em uma de suas colunas:
“como era esperado, a onda é dizer que o problema maior da seleção é emocional, que os jogadores não suportam a pressão e que choram demais, como se o choro fosse incompatível com a razão e a lucidez. Penso o contrário. O que salva a seleção é o envolvimento emocional dos jogadores, empurrados pela torcida e pela pressão de jogar em casa. Evidentemente, em algum momento, acontece uma exagerada reação emocional. É inevitável.”
Acredito que o aspecto emocional foi o menor dos problemas da seleção, creio que faltou muitas outras questões na preparação dessa equipe que ficou escancarada, principalmente, na derrota para a Alemanha. O grupo de atletas parecia coeso, havia diferentes tipos de lideranças, não só a do contestado capitão Thiago Silva, que talvez não foi o líder em campo que todos esperavam. David Luiz e Paulinho claramente exerciam outros tipos de lideranças diante dos companheiros. Mais isso não é tudo. Líderes e liderados também falham. Via um time pouco treinado, com esquema tático pífio, pouca variação de jogadas e isso foi fundamental para influenciar os aspectos psicológicos dos jogadores durante toda a competição. O resultado das semifinais, fala por si. Não da para separar em compartimentos durante a atuação o que pertence a parte técnica, a parte tática, a parte psicológica e a parte física. São fatores interdependentes e inter-relacionados que devem ser treinados sempre para ser aprimorado. Visivelmente isso foi pouco realizado. Colocar a culpa da derrota para os alemães num tal de apagão de 6 minutos ou dizer que foi uma fatalidade do destino como fez a comissão técnica é se eximir das responsabilidades ou querer manipular a opinião dos leigos. Pior ainda, acreditar nisso é ser omisso.
O vexame diante da Alemanha e logo em seguida contra a Holanda, sepultou de vez qualquer resquício da derrota para o Uruguai em 1950. Esperamos que esse fato possibilite aprendizagem e lucidez de quem dirige o futebol nacional. O futebol do Brasil está ultrapassado e necessita de mudanças estruturais consistentes. Saber perder faz parte do esporte, reconhecer as limitações é sinal de humildade e crescer com as lições das adversidades pode ser o triunfo no futuro.
A seleção da Alemanha pode nos ensinar muito mais do que a derrota de 7×1. Eles possuem mais de 50 profissionais de diferentes áreas de atuação fazendo parte do grupo de apoio dando suporte aos atletas e a comissão técnica. Dentre eles um departamento de psicologia do esporte que é liderado pelo Dr. Hans Dieter Hermann. Lá, o psicólogo não é milagreiro ou salvador da pátria, é mais um profissional com respaldo e condições necessárias para aplicar o seu trabalho, como deveria ser em qualquer seleção de qualquer modalidade esportiva.
Às vezes por mais preparados que estejamos podemos sucumbir pois o ser humano não pode ser programado como um maquina. A beleza do esporte se dá justamente devido a essa imprevisibilidade e no futebol isso se exacerba. Os detalhes e as variáveis são inúmeras. Nem sempre as equipes mais capacitadas vencem. Por pior que seja, um lampejo de um craque ou de um perna de pau pode destruir qualquer equipe, nessa modalidade não faltam exemplos que ilustra isso. Porém, dessa vez, venceu o melhor time. Venceu o planejamento, a melhor estrutura fora de campo. Venceu a parceria, a coletividade, a meritocracia. Venceu o futebol total da Alemanha, indiscutível, inquestionável !!!
Referencias:
http://esportefino.cartacapital.com.br/copa-do-mundo-brasil/
http://exame.abril.com.br/mundo/noticias/filosofo-de-harvard-ve-protestos-na-copa-como-avanco-social
http://esportes.estadao.com.br/noticias/geral,os-herois-tambem-choram-imp-,1522712
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Abraços.
Até!!!
Excelente análise! Parabéns Rodrigo!
Excelente texto Rodrigo. Provavelmente o melhor texto que li durante todo período da Copa!
Ótimo resumo do “Legado da Copa” . Meus parabéns!
Preciso, como sempre meu amigo. Viva a nova geração!
Análise interessante.
Oi Rodrigo
Como não nos envolver-me no mar das emoções se a nossa história é feita de mitos e heróis que mergulharam nas ondas emocionais. Desde o terrível Marechal Floriano, passando por Mauá, Tiradentes, Cecília Meireles, Jango e Vargas, Lampião, Goubery, Glauber, Collor, Chico Buarque, e a maioria de nós. Seu texto é muito legal por nos convidar a refletirmos de como agora vamos apresentar a Psicologia do Esporte para esse povo tão, tão emocional. Não é intrigante? Até nossos alemães gaúchos e japoneses paulistas são por demais emocionais. Parabéns pelo texto. Abraços
Oi Rodrigo
Como não nos envolver-mos no mar das emoções se a nossa história é feita de mitos e heróis que mergulharam nas ondas emocionais. Desde o terrível Marechal Floriano, passando por Mauá, Tiradentes, Cecília Meireles, Jango e Vargas, Lampião, Goubery, Glauber, Collor, Chico Buarque, e a maioria de nós. Seu texto é muito legal por nos convidar a refletirmos de como agora vamos apresentar a Psicologia do Esporte para esse povo tão, tão emocional. Não é intrigante? Até nossos alemães gaúchos e japoneses paulistas são por demais emocionais. Parabéns pelo texto. Abraços
Rodrigo, belo texto. Realmente foi um grande legado dessa copa a psicologia do esporte, fiquei muito orgulhoso, pois sou jornalista, estou no 6º período de psicologia e já comecei minha especialização em psicologia do esporte. Abraço.
Omar Batista