Texto escrito por Fábio Menezes*
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Neymar é certamente o assunto mais comentado do futebol brasileiro atualmente, mesmo depois do fiasco da seleção brasileira na Copa América. Muito é dito sobre ele, sobre o seu futuro, sobre suas habilidades. Variam os termos: craque, gênio, fenômeno, “cai-cai”, mascarado. Já ouvi diversas opiniões de ex-atletas, comentaristas e torcedores. Uma constante no discurso de tais pessoas é tratar Neymar como um predestinado, alguém que nasceu e pôs em prática seu “dom divino”. Ora, ninguém em sã consciência dúvida do talento natural do atleta, mas será que apenas isso explica o patamar que Neymar vem atingindo? A história do futebol é permeada por casos de grandes promessas que, ou não vingaram, ou simplesmente não chegaram ao nível que se esperava, por inúmeros motivos. Não é necessário pensar por muito tempo para se lembrar de alguns nomes. O que faltou para eles? É evidente que fazer uma análise, sem conhecer as particularidades de cada caso de atleta envolvido, seria de uma leviandade extrema, mas é possível fazer uma reflexão, ainda que baseada em hipóteses.
A realidade do futebol brasileiro (e do esporte em geral no nosso país) ainda é a de muitos jovens de uma camada social bastante pobre, que muitas vezes é forçado a se deslocar para outra parte do país para procurar uma equipe para jogar. Além disso, muitos não têm um apoio ou uma estrutura familiar que lhe favoreça no enfrentamento de tais dificuldades. Conforme vai se desenvolvendo como atleta, lhe são feitas grandes promessas: fama, dinheiro, mulheres, um futuro de sucesso no futebol europeu. Porém, há pouco preparo para os momentos de dificuldades, como uma marcação pesada (e muitas vezes desleal), as vaias das torcidas, os problemas com o treinador, as relações com seus companheiros de time, entre outras condições às quais qualquer jogador de futebol estará sujeito. No caso de um jogador mais habilidoso e técnico, é muito comum a promoção para a equipe principal de maneira precoce, aos 16 ou 17 anos, quando o indivíduo não está nem física, nem emocionalmente preparado para atuar com atletas já amadurecidos biologicamente. As jovens promessas se deparam com inúmeras cobranças, de dirigentes a empresários, de familiares a torcedores, da mídia e patrocinadores e geralmente não estão psicologicamente prontos para lidar com essas questões. Para um adulto é difícil conseguir administrar esses fatores imagina para um adolescente ou jovem em pleno desenvolvimento?
E Neymar nesse contexto? É claro que se trata de um caso à parte, pois é um atleta com um talento raro, e foi tratado como “especial” desde muito jovem. Em seu caso, em particular, chama a atenção a proximidade e o cuidado de seu staff, principalmente do pai, que parece ser uma influência bastante positiva na vida do atleta (não os conheço pessoalmente, então falo do que percebo por meio da mídia). O pai de Neymar teve a sensibilidade de perceber que o filho, então com 13 anos, parecia infeliz na Espanha, e rejeitou uma proposta do Real Madrid, certamente muito vantajosa no aspecto financeiro. Não se deve diminuir tal atitude, bastante rara no meio futebolístico. Tais comportamentos mostram alguns valores que são pregados pela família, que certamente tendem a ser absorvidos pelos filhos. Tanto que Neymar recusou uma proposta milionária do Chelsea no final do ano passado para continuar no Santos, onde diz que está feliz. Outra atitude importante dos pais de Neymar foi insistir na permanência do atleta na escola, muitas vezes deixada em segundo plano. Houve a preocupação não apenas com o atleta, mas com a pessoa, o cidadão.
Mesmo com todo esse contexto favorável, Neymar já enfrentou diversas dificuldades em sua breve carreira, se envolvendo em diversas polêmicas. O que houve então? Sem conhecer os pormenores do caso, o que parece é que uma das principais dificuldades que acometeram o jogador foi a administração e tolerância das frustrações. Desde muito cedo, Neymar é considerado um futuro gênio, e lhe é prometido o título de melhor do mundo. Em meio a esse contexto, não surpreende que um jovem, ainda em formação como indivíduo, tenha dificuldades para lidar com faltas violentas, vaias e perseguições de torcidas, assedio da imprensa, erros próprios cometidos, comentários infelizes, etc. Não se trata de justificar, mas entender o que acontece, para tentar ajudar outros jovens que se encontram em situações semelhantes. Uma frase do atleta parece emblemática: “achava que quem era famoso podia fazer tudo”. É difícil (para não dizer injusto) atacar um menino por ter tido uma percepção errada do contexto em que se inseriu.
Nos apenas dois anos de carreira profissional, Neymar já sofreu duras críticas, chegando até a ser chamado de “monstro” e “mau caráter” por comentários e atitudes inoportunas. Neste aspecto, acredito que o suporte familiar foi de suma importância, tanto para que ele lidasse com as críticas, quanto para que percebesse em que pontos estava realmente se equivocando, para ter a oportunidade de poder melhorar e aprender com esses acontecimentos.
A sua performance atlética pode evoluir até porque está em pleno desenvolvido, e o mesmo poderá ocorrer em sua personalidade e com suas habilidades psicológicas e emocionais.
Até onde esse atleta promissor conseguirá chegar? E como irá lidar com as novas situações que irá encontrar? Só o tempo dirá. Ficaremos na torcida para o sucesso desse jovem brasileiro.
Por fim, cabe aqui uma pequena reflexão: Neymar de fato é um jogador diferenciado e talentoso. Certamente isso foi fundamental em seu inicio de carreira. A grande maioria de jovens que tentam ingressar no mundo do esporte não tem a mesma sorte, ficam pelo caminho. Não se ouve falar do que acontece com eles. É preciso pensar em maneiras de auxiliar suas formações como cidadãos, não podemos ter os olhos e os objetivos voltados apenas para os talentosos e para as promessas a estrela, pois, os que “não vingam”, também necessitam de apoio dos clubes ou instituições pelos quais passaram.
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* Fábio Menezes é psicólogo do esporte e psicólogo clínico. Fanático por futebol, entende do mesmo como poucos. Atua como Coordenador Administrativo e Psicólogo no Instituto Rugby para Todos. Para contato: menezesdosanjos@gmail.com
Abraços.
Até!!!
Reflexão muito pertinente. Os nossos “astros” são cada vez mais novos, ganham cada vez mais dinheiro e sofrem cada vez mais pressão. Nenhum de nós, na idade desses meninos, está preparado para lidar com essa pressão e com a responsabilidade que carregam. Mídia e torcida podem ser muito cruéis em um dia, e aclamar o atleta no outro.
Por tudo isso, é fundamental que esses jovens tenham um acompanhamento da família, do time, e de um psicólogo esportivo.
Belíssimo texto, na forma e conteúdo. Parabéns para o Fábio e para o blog! O autor mostra claramente a dificuldade encontrada por jovens estrelas, que são cada vez mais jovens e que cada vez mais cedo atingirão objetivos inatingíveis para os demais mortais. Tenho uma visão que a carreiras das super estrelas serão cada vez mais curtas…Ronaldo ficou no auge até os 30, Ronaldinho Gaúcho até os 28, Robinho aos 26…e Neymar, chegará aos 24? O campo da psicologia esportiva precisa estudar muito estes fenômenos sócio-econômicos que cercam os esportistas e fazer o seu marketing, para ganhar espaço junto ao meio, pois tem um grande papel a cumprir na sociedade.
E vou além, diferentemente de profissões ligadas aos negócios e outras liberais, o esportista atinge seu apogeu aos 30 anos de idade ou antes, enquanto que como cidadão ainda terá décadas de vida longe do estrelato. Ronaldo Fenômeno parece ser uma exceção, mas a esmagadora maioria lida muito mal com o quase inevitável ostracismo que os espera. Seria a psicologia pós-vida esportiva. Sucesso ao Fábio e a todos!