Pelé – a Psicologia e o fascínio de um gênio

Edson Arantes do Nascimento, faleceu no último dia 29 de dezembro de 2022, aos 82 anos.
Edson foi uma pessoa complexa, cheio de idiossincrasias como eu e você. Acertou, cometeu erros em sua vida pessoal, como qualquer ser humano falível. O Edson, faleceu. Mas, o seu ‘alter ego’, viverá pela eternidade, Pelé!

Pelé -  a Psicologia e o fascínio de um gênio


Não vi Pelé jogar ao vivo, mas sempre me fascinava o quanto meu pai me contava sobre a Copa de 70 que ele assistiu quando jovem adolescente. Principalmente, como falava sobre o desempenho de Pelé, naquela competição. Cheguei a ouvir apelidos dados de maneira carinhosa aos meninos negros que eram bons de bola, ‘olha o Pelezinho, o moleque é bom’. Ainda na minha geração dos anos 80. Acredito que todo mundo conhecia algum garoto ou jovem no bairro e na escola com o apelido de, “Pelé”. Não era incomum na cidade de São Paulo na minha infância.

Para qualquer pessoa que gosta de futebol, Pelé, sempre foi um gênio. Desde cedo sempre tive curiosidade para saber como jogava esse tal de Pelé, que as pessoas mais velhas sempre falavam. Pedi ao meu pai para alugar uns vídeos das Copas de 58, 62 e 70, quando tinha uns 8 ou 9 anos, logo que minha família conseguiu comprar um vídeo cassete. Portanto, Pelé sempre exerceu uma áurea mística para mim. Ainda mais, quando o vi nos filmes dos Trapalhões. Pronto! Tive ‘inveja’ do único amigo santista que havia no meu bairro. ‘Pôxa! Pelé, poderia ter jogado no meu time! Pena! Pensava.’


Muito já foi dito e escrito nesses dias após a morte de Pelé, por uma infinidades de pessoas mundo à fora. Farei aqui nesse espaço uma singela homenagem ao maior esportista que o mundo já teve. Certamente, ao diplomata que melhor representou o país ao redor do globo terrestre, mesmo não tendo a diplomacia como oficio. Ao homem negro, descendentes de escravizados que nasceu apenas 52 anos após a assinatura da Lei Áurea. Foi coroado Rei, pelo povo no país mais racista do mundo, quem imaginaria uma ironia como essa. Minha singela homenagem é ao brasileiro mais famoso de todos os tempos, onde, ajudou a colocar o Brasil no mapa-múndi a partir de seus feitos atléticos na Copa do Mundo de Futebol em 1958. Provavelmente o primeiro atleta globalizado. Pelé, personifica o ‘mito do herói’, versão brasileira.

Pelé conseguiu tantas proezas que é difícil de adjetivar suas capacidades. É indiscutível o que ele realizou com a bola nos pés. O futebol pode ser dividido entre antes e depois de Pelé, muitos especialista já disseram isso em vários contextos.

Pelé virou sinônimo de excelência, de virtuosismo, principalmente, fora do futebol. Fulano é um ‘Pelé da medicina’, sicrano é um ‘Pelé da música’. Pelé eternizou o camisa 10 do mundo e virou adjetivo de perfeição. Em cada setor de atividade, existe um Pelé, o melhor de todos.

Não acho exagero dizer que seu nome precisa ser lembrado com os maiores da humanidade como Albert Einstein, Beethoven, Leonardo da Vinci, Michelangelo entre outros.

Pelé -  a Psicologia e o fascínio de um gênio

Cérebro privilegiado

Obviamente que o cérebro de Pelé era privilegiadíssimo, isso não é novidade para ninguém. Certamente, se tivéssemos os recursos tecnológicos da atualidade para aferir as capacidades cognitivas, psicológicas e emocionais na época em que Pelé estava atuando, teríamos resultados extraordinários. Os números dele falam por si.

Do ponto de vista psicológico, Pelé também era um fenômeno, seus níveis de concentração, raciocínio, motivação, atenção, ativação, visão periférica, eram extremos. Possuía um grande equilíbrio emocional, controle da ansiedade e impulsividade. Sabia o momento exato de canalizar sua raiva e agressividade pro-ativamente. Ele não se abalava com os adversários e adversidades e se motivava ainda mais com os grandes desafios.  Pelé foi um atleta que tinha consciência de suas habilidades e treinava as mesmas exaustivamente, era um perfeccionista. Ao mesmo tempo era criativo , intuitivo e inventivo, já que, possuía autoconfiança elevadíssima para ousar. Por ser disciplinado, era um líder, inspirava seus companheiros positivamente pelo exemplo. São tantos atributos e habilidades que por um conjunto complexo de fatores (biológicos, genéticos, psicológicos, cognitivos, intelectuais e ambientais), Pelé é o Rei do Futebol. Incomparável.

Tostão, ex-companheiro e comentarista


Gosto muito dos textos publicados nos jornais do país pelo atualmente colunista, Tostão, ex-atleta e companheiro de Pelé na Copas de 1966 e 1970. Nesse trecho (publicado da Folha de S.Paulo em 30/10/2018) ele comenta sobre como Pelé, intuitivamente realizava treinos mentais e visualizações, técnicas cientificamente comprovadas e muito difundidas pela psicologia do esporte para desenvolver a performance atlética:

“Há um conceito frequente e equivocado de que os grandes atletas, em todos os esportes, são tranquilos, sem problemas emocionais. É o contrário. A tensão é o combustível da alma. A ansiedade aumenta a produção de substâncias químicas e, com isso, a concentração, a agressividade, a força física e a velocidade. É o doping psicológico, desde que não ultrapasse certos limites, ao ponto de a mente perder o controle do corpo.

Pelé, o Rei, entrava no vestiário, antes do jogo, e ia para um canto. Deitava, esticava as canelas e fechava os olhos. Espantava o medo da derrota e do fracasso. Ninguém podia importuná-lo. Não sei se pensava no jogo, se dormia e/ou se sonhava, literalmente, com os gols que faria. Eu, um bom coadjuvante, dormia mal na véspera das partidas. Quanto mais preocupado com o jogo, melhor atuava.

Não existe uma única razão que explique os fatos. O futebol e o mundo são muito complexos. Nós é que tentamos simplificá-los, com nossas racionalizações e lugares-comuns. O corpo e a alma funcionam por meio de associações biológicas, de pensamentos, de sentimentos e de ideias. Somos muitos em um só.

Trago outro trecho de um texto novamente de Tostão, publicado no mesmo jornal (Folha de S. Paulo em Outubro de 2010). Onde reforça a ideia de que, Pelé, era extraordinariamente diferenciado em todos os aspectos do desempenho esportivo:

“Conheci Pelé nos treinos para a Copa do Mundo de 1966. Eu tinha 19 anos. Era minha primeira convocação. A seleção brasileira fez um jogo-treino contra o Cruzeiro, em Caxambu, no interior de Minas, e meu pai foi me ver e assistir ao treino. Ele era louco para conhecer Pelé pessoalmente. Ao vê-lo, pediu um autógrafo, recebeu um abraço carinhoso de Pelé e chorou. Não é todo dia que um homem simples chega perto de um rei.

Pelé foi o maior jogador do mundo de todos os tempos porque tinha, no mais alto nível, todas as virtudes que um craque de sua posição precisa ter.
Hoje, por ser um analista, procuro um defeito técnico em Pelé e não encontro. Pelé era muito habilidoso, técnico, criativo, forte, veloz, autoconfiante, ambicioso e aguerrido. Quanto mais difícil a partida, mais ele pedia a bola e se agigantava.
Além de tudo isso, Pelé, literalmente, enxergava mais do que os outros. A estrutura anatômica de seu globo ocular, com um olhar saliente e expressivo, aumentava seu campo visual.

Pelé -  a Psicologia e o fascínio de um gênio

Pelé parecia enxergar até o que estava às suas costas.
Antes de a bola chegar a seus pés, Pelé me olhava, parecendo dizer o que ia fazer. E fazia. Tentava acompanhá-lo. Não era fácil. A comunicação analógica, por meio de gestos, de olhares e de movimentos do corpo, é menos exata, mas muito mais ampla do que a comunicação digital, com palavras.
Pelé tinha o que os especialistas chamam hoje de inteligência sinestésica. Parecia ter um megacomputador no corpo. Em fração de segundos, mapeava tudo o que estava a sua volta, observava os movimentos e calculava a velocidade da bola, dos companheiros e dos adversários. Prefiro chamar isso de saber inconsciente, que antecede ao raciocínio lógico. Ele sabia, sem saber que sabia.
As pessoas que não viram Pelé jogar ao vivo, no gramado ou na televisão, acham que seu auge foi na Copa de 1970. Seu esplendor técnico foi de 1958, com 17 anos, até mais ou menos metade da década de 1960.
Antes da Copa de 1970, muitos diziam que Pelé estava pesado e que não conseguia jogar várias partidas seguidas com a mesma exuberância. Pelé sabia disso e se preparou para se despedir da seleção com grandes atuações e com o título mundial. Foi o que aconteceu.
Pelé era um bom companheiro, no campo e na concentração. Gostava de ficar no quarto. Não tinha estrelismo nem privilégios. Tratava bem a todos. Durante o jogo, recebia orientações, broncas e não respondia com rancor.
Fora de campo, Pelé atendia a todos com um largo sorriso. Nunca o vi triste nem chateado.

Diferentemente de quase todas as grandes estrelas, em todas as atividades, em que há muitos conflitos entre a pessoa e o personagem, entre o criador e a criatura, Pelé e Edson viviam em harmonia. Pareciam a mesma pessoa. Um não incomodava o outro.

Não conheço nada da vida pessoal de Pelé, mas deduzo que ele nunca foi um empresário. Foi e é um garoto-propaganda. Além de anunciar produtos, Pelé vendeu seu nome a empresas e passou a ter vários sócios, nem sempre honestos. Uma mistura de desconhecimento com ingenuidade e também de ambição com vaidade, características do ser humano. Isso não tira suas responsabilidades.
Pelé vive viajando pelo mundo, vendendo seu sorriso, sua simpatia e sua imagem. Para isso, procura ficar bem com todos, ser politicamente correto e parecer melhor do que é. Pelé não tinha defeitos. Edson tem, como todo cidadão.
Com raras exceções, os grandes mitos, em todas as atividades, não são, nunca foram nem se deve esperar que sejam exemplos de cidadãos. Eles são especiais por seus talentos.

Pelé -  a Psicologia e o fascínio de um gênio

Pelé, foi pouco celebrado.

É difícil fazer comparações com outros contextos e países. Acredito que Pelé, tenha sido pouco celebrado no Brasil e por boa parte dos brasileiros por tudo o que representou em vida, no futebol, no imaginário popular e na cultura. Sei que é um assunto delicado e complexo e não tenho condições de aprofundar nesse espaço. Já li e ouvi de jornalistas de diferentes emissoras, de historiadores e pensadores que se Pelé, fosse americano ou europeu poderia ser muito mais celebrado, inclusive, do ponto de vista intelectual e acadêmico. Será um questão do nosso racismo estrutural?

Nem a CBF, órgão máximo de futebol nacional, no meu ponto de vista, celebrou Pelé em vida como deveria. Vale lembrar, ao sediar novamente a Copa do Mundo em 2014 no Brasil, Pelé ficou de fora de boa parte do evento e das comemorações por ser ‘patrocinado’ por empresas diferentes da CBF/Fifa na ocasião. Conflitos de interesse mesquinhos que marcaram negativamente o evento naquele momento.

Outra questão que está gerando muito discussão e repercussão, foi a ausência física de atletas e ex-atletas do futebol em seu velório e funeral. Nem os jogadores do elenco atual do Santos F.C., único time que defendeu profissionalmente estiveram em grande número em sua despedida. Achei, lamentável e muito triste, uma falta de respeito e reverência a memória de quem de certa maneira abriu caminhos e colocou o Brasil como protagonista no cenário do futebol mundial.

As vezes o brasileiro gosta de se comparar com outros adversários no esporte, geralmente inflamados por narradores ufanistas e midiáticos. É bom lembrar da morte de Maradona e Kobe Bryant, o esporte parou na Argentina e nos Estados Unidos. Aqui não, os clubes continuaram treinando, apresentando seus novos contratados, dando coletivas de imprensa enquanto o funeral de Pelé acontecia. São exemplos, que talvez não tenham comparações por questões socioculturais, mas vale a reflexão.


Na minha modesta opinião, sinceramente, era para o mundo do futebol estar lá em peso, no funeral, no velório, no cortejo. O Santos havia destinado espaço para isso. Obviamente, ninguém é obrigado a estar onde não quer estar, mas acho que seria como uma espécie de ‘dever moral’ para com Pelé e o povo brasileiro. Creio que poderia aproximar ídolos do passado com a sociedade, já que essa relação não está tão boa como já foi em anos anteriores. A CBF poderia ter pedido aos clubes que cessassem suas atividades por alguns dias, até porque, elas acabaram de reiniciar. Talvez, solicitassem aos seus capitães ou um jogador de cada time que comparecessem, pelo menos e prestasse uma última homenagem nesse rito que é importante para a nossa cultura. Sim, é utopia minha, eu sei! Eu sou um sonhador !

A vida real não se dá nas redes sociais. Exemplos e condutas positivas são percebidos as vezes em pequenos gestos, no dia a dia, no olho no olho das pessoas, no toque, no abraço, dividindo a humanidade, trocando afetos. Somos feitos também de sentimentos e emoções. Os atletas tem um poder de penetração e influencia no imaginário das pessoas muito forte, mas alguns não se dão conta disso e até não tem consciência desse aspecto. Talvez, esse seja um ônus da fama e do papel que exercem na vida que escolheram seguir. É o preço de se tornar uma pessoa pública. Não é simples.

Dizem que Pelé, atendia a todos, seja com uma foto, um autografo ou um cumprimento. Os reis não fazem isso, não se deixam humanizar. Por essas e outras é que, Pelé foi Rei do povo.

Viva o Rei Pelé! Imortal!

***
Abraços…
Até!!!


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