O debate em torno da saúde mental no esporte vêm crescendo após os recentes casos das ginastas americanas denunciarem os abusos sexuais do médico da seleção, Larry Nassar. Estrelas da NBA e astros do futebol também compartilharam suas angustias com o público em entrevistas. A saúde mental no esporte é um tema que vêm à tona somente quando alguma estrela compartilha seus sentimentos. Infelizmente, ainda encontramos muita resistência, preconceito e desinformação por parte da sociedade e consequentemente também no ambiente esportivo.
A saúde mental é um termo usado para descrever o nível de qualidade de vida cognitiva e emocional. A maior parte das pessoas, quando ouvem falar em saúde mental já pensam em “Doença Mental”, mas, não são sinônimos. Ter saúde mental é basicamente poder estar bem consigo mesmo e com os outros. Aceitar as exigências da vida da melhor maneira possível. Saber lidar com as boas emoções e também com aquelas desagradáveis que serão inevitáveis para qualquer ser humano, é reconhecer seus limites e buscar ajuda quando necessário. Todas as pessoas vão apresentar sinais de sofrimento psíquico em alguma fase de suas vidas, isso é da natureza humana.
O ambiente no alto rendimento esportivo pode propiciar e agravar transtornos emocionais. Não são raros casos de estresse, ansiedade, burnout, distúrbios alimentares, abuso de substancias, depressão e até suicídio. Inclusive, a Fifa recentemente divulgou uma pesquisa em que foi constatado que pelo menos 1/3 dos jogadores de futebol sofreram em algum momento da carreira de depressão e 18% manifestaram sinais de estresse. Os treinadores e demais membros de comissões técnicas também podem vir a ter problemas similares. A pressão pelo máximo desempenho, a pouco tolerância aos erros, as frustrações e as derrotas. A cobrança da torcida, a exposição da vida pessoal e a falta de privacidade, a relação com a mídia. Todos esses elementos podem de alguma maneira influenciar negativamente no desgaste emocional, abalar a motivação, a confiança e contribuir para a queda do desempenho esportivo e em casos mais complexos afetar a saúde mental.
O ex-jogador de futebol, Cicinho, relatou sobre os momentos difíceis de sua carreira:
“Sei que vivi uma depressão (…) vemos vários casos de depressão no futebol. Vimos o Nilmar, o Thiago Ribeiro, o Jô deu a volta por cima agora. Muitos até morrem por causa da bebida, cigarro. A vida não é somente dinheiro, comida e bebida. Bebida não combina com futebol. Não combina com nada. O atleta tem que se preparar. Me preparei para chegar no topo, mas não me preparei para me manter nele. Tinha conquistado tudo, joguei no São Paulo, Real Madrid, Seleção Brasileira. “
O jogador de basquete do Cleveland Cavaliers, Kevin Love veio a público para revelar que chegou a ter um ataque de pânico durante partida desta temporada:
“Por 29 anos, eu pensei em saúde mental como problema de outras pessoas. Claro, eu sabia que, de alguma forma, as pessoas se beneficiavam ao pedir ajuda ou se abrirem. Eu apenas nunca pensei que seria o meu caso. Para mim, era uma forma de fraqueza que poderia diminuir meu sucesso no esporte ou me tornar estranho ou diferente”.
Outra estrela do basquete DeMar DeRozan do Toronto Raptors, comentou que estava sofrendo de depressão:
“É uma daquelas coisas que não importa o quão indestrutível nós pareçamos, somos todos humanos no fim do dia. Todos nós temos sentimentos e às vezes parece que o mundo inteiro está acima de você […] Não é nada de que me envergonhe. Agora, na minha idade, tenho ciência de quantas pessoas passam por isso. Mesmo que algumas possam olhar e dizer coisas como ‘ele passa por isso e ainda está aí tendo sucesso e fazendo as coisas’, estou bem com isso”.
“Com a pressão dos outros eu vivo bem, com o que não vivo bem é com a pressão que coloco em mim mesmo.” Afirmou, o jovem atleta português, André Gomes, atualmente jogando no Barcelona.
O zagueiro, do Arsenal e campeão mundial com a Alemanhã em 2014, Mertesacker, afirmou:“O meu corpo está ‘roto’, já não sinto prazer em jogar. Agora no Arsenal prefiro ficar sentado no banco… A pressão e as expectativas são grandes e antes dos jogos vomito, tenho diarreia.Segundos antes do apito inicial sinto náuseas, uma vez fiz um esforço tão grande para engolir a bílis que até me vieram as lágrimas aos olhos”(…) “Sei que nós, os futebolistas, temos privilégios, mas chega um momento em que apercebemo-nos que isto é uma carga física e mental muito grande, já não desfrutamos, simplesmente tens de render, mesmo estando lesionados.”Todos pensam que é um grande drama quando não se joga por lesão, mas é ao contrário, assim pode-se descansar um pouco. Tenho a suspeita que algumas das lesões que tive ao longo da minha carreira tiveram um fundo psicológico, o corpo tenta dar paz à cabeça. Mas nunca ninguém investigou isto.”
Quando me retirar por fim serei livre… Mas não me arrependo de ter sido futebolista profissional, embora vomite antes de cada jogo e tenha de fazer recuperação 20 vezes… Deixo um conselho aos jovens futebolistas: não se centrem apenas no futebol, estudem, diversifiquem as vossas vidas.”
Diante dos relatos acima, será que os clubes e seleções realmente cuidam da saúde mental de seus atletas e comissões técnicas como deveriam? A maioria são negligentes e omissos. Muitas pessoas tem um discurso de que a saúde mental é um aspecto da vida dos mais importantes, porém, existe muita resistência em procurar auxilio especializado quando necessário.
O papel do psicólogo do esporte é muito mais do que o de desenvolvimento de habilidades psicológicas para melhorar a performance esportiva de atletas e equipes. O olhar clínico e o conhecimento específico do oficio do psicólogo é fundamental para compreender a dor do outro, ser empático ao sofrimento e achar juntos alternativas para propiciar o fortalecimento emocional. A observação interventiva, o aconselhamento psicológico, o psicodiagnóstico para verificar sinais, sintomas e transtornos mais graves são ferramentas essenciais para a prevenção e promoção da saúde no ambiente esportivo.
“Saúde mental não é uma coisa de atleta. O que você faz pra viver não define quem você é. Isso é uma coisa que todo mundo tem, não importa o que aconteça ou as circunstâncias, todos nós estamos carregados de coisas que nos machucam – e elas podem machucar ainda mais se guardamos isso dentro de nós. Não falar das nossas lutas internas nos priva de conhecer a nós mesmos, e também nos priva de saber o que o outro precisa. Então se você está lendo isso e passou por algo difícil, não importa se pequeno ou grande, eu quero te lembrar que você não é estranho ou diferente por compartilhar isso. Pelo contrário. Pode ser a coisa mais importante que você faça. Foi para mim! (Kevin Love).”
Referencias:
http://www.theplayoffs.com.br/nba/kevin-love-fala-sobre-saude-mental-e-revela-ataques-de-panico/
https://oglobo.globo.com/esportes/um-terco-dos-jogadores-de-futebol-sofre-de-depressao-17698576
https://www.theplayerstribune.com/kevin-love-everyone-is-going-through-something/
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Abraços!!!
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