O mundo do futebol vibra com gols, títulos e celebrações. Mas por trás da cortina do espetáculo, há seres humanos que, como todos nós, enfrentam dores profundas. Recentemente, duas figuras do Paris Saint-Germain, principalmente após a conquista inédita do clube na Champions League, nos lembraram dessa vulnerabilidade: o técnico Luís Enrique, que viveu a imensurável perda de sua filha Xana em 2019, e seu auxiliar técnico, Rafael Pol, que perdeu sua esposa, Raquel, em novembro de 2024. Estas tragédias pessoais trazem à tona uma questão crucial e muitas vezes negligenciada: a saúde mental dos treinadores esportivos em processo de luto.

O luto é uma jornada íntima, dolorosa e não linear. Para treinadores, cujas vidas são marcadas por pressão extrema, exposição constante e a necessidade de projetar liderança e controle, vivenciar uma perda significativa pode ser especialmente desafiador:
1. A Pressão da Continuidade: O esporte raramente para. Treinos, jogos, entrevistas, decisões táticas, o calendário é implacável. Como encontrar espaço para o próprio sofrimento quando o mundo exige performance imediata? O pedido de afastamento de Luís Enrique quando treinava a seleção da Espanha é um lembrete poderoso de que é humanamente impossível (e insalubre) ignorar a dor em nome do resultado.
2. A Armadura da Liderança: Treinadores são vistos como pilares de força. Existe uma expectativa (muitas vezes internalizada por eles mesmos) de que devem “aguentar firme” para não “desestabilizar” o grupo. Mas, ao negar a dor ou tentar mascará-la pode ser catastrófico para a saúde mental, levando a burnout, depressão ou ansiedade severa.
3. A Exposição Pública: Figuras de alto perfil como Luís Enrique e Rafael Pol vivem seu luto sob os holofotes. Perguntas mal colocadas, especulações insensíveis e a falta de privacidade podem amplificar a dor e dificultar o processo de luto. O respeito ao espaço e ao tempo é fundamental.
4. O Ambiente Masculino e a Cultura do “Aguentar”: O futebol, em particular, ainda carrega resquícios de uma cultura que desencoraja a expressão de vulnerabilidade, especialmente entre homens. Falar sobre dor, buscar ajuda psicológica pode, infelizmente, ser visto como fraqueza. É urgente e salutar desconstruir esse preconceito perigoso.
O que pode (e deve) ser feito? O Cuidado que os Treinadores Merecem:

Licenças Sem Julgamento: Clubes e demais instituições precisam ter políticas claras e humanizadas de licença por luto, sem pressão por retorno precoce. O apoio do PSG a Pol e a compreensão histórica com Enrique são exemplos importantes.
Apoio Psicológico Especializado: O acesso a psicólogos do esporte ou especialistas em luto deve ser uma prioridade, oferecido de forma proativa e contínua, não apenas no momento da perda. Esse suporte precisa ser confidencial e livre de estigmas. Vale lembrar que a equipe do PSG conta com a presença do psicólogo do esporte, Joaquín Valdés, que sempre acompanhou os times do treinador Luís Enrique.
Cultura de Acolhimento: Criar um ambiente dentro da comissão técnica e do clube onde seja seguro expressar dores em geral, onde colegas possam oferecer apoio genuíno sem julgamento. A empatia precisa ser um valor cultivado.
Respeito Midiático: A imprensa tem um papel vital. É preciso sensibilidade extrema ao abordar temas tão delicados, evitando perguntas invasivas e respeitando o direito ao silêncio e ao luto privado. Treinadores, instituições esportivas e a mídia podem ajudar a normalizar a conversa sobre saúde mental e luto no esporte. Ver figuras como Luís Enrique falando abertamente sobre sua dor (como já feito no passado) é poderoso e quebra tabus.
A Dor Não Tira Folga no Fim de Semana
A coragem de Rafael Pol em pedir um tempo no trabalho após sua perda e a resiliência de Luís Enrique em continuar sua jornada, mesmo carregando um luto tão profundo, são testemunhos de força humana. Mas força não significa sofrer em silêncio ou sozinho.
A história recente do PSG nos confronta com uma realidade. Treinadores não são máquinas de vencer jogos. São pessoas que amam, perdem, sofrem e se vulnerabilizam. Proteger sua saúde mental em momentos de luto não é um favor; é uma obrigação ética e humana do esporte.
Investir em suporte psicológico robusto, criar espaços seguros e promover uma cultura de verdadeira empatia não só preserva o bem-estar desses profissionais, mas também contribui para um ambiente esportivo mais humano e sustentável.
O luto não escolhe hora nem profissão. Reconhecer isso e agir com compaixão é o verdadeiro sinal de um esporte que evolui. A vitória mais importante, afinal, pode ser a de cuidar uns dos outros nos momentos mais sombrios.
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Abraços !!!
Até …