Entrevista – Rodrigo Pieri

Para o Blog do Falcao 3Hoje o blog retorna com entrevistas aos profissionais que vêm desenvolvendo a Psicologia do Esporte no nosso país. Dessa vez, conversei com o amigo do Rio de Janeiro, Rodrigo De Vasconcellos Pieri. Atualmente ele é Professor universitário na Faculdade Unisuam, Psicólogo do Esporte no futebol trabalhando no Olaria Atlético Clube e na Marinha do Brasil, no programa “Força no Esporte”. Além disso, Rodrigo é membro da direção da atuação gestão da ABRAPESP.

Blog: Conte-nos sobre a sua trajetória profissional, sua formação?

Rodrigo: Mesmo que a psicologia do esporte só tenha entrado na minha vida um pouco depois, o meu desejo de fazer psicologia aconteceu pela curiosidade de trabalhar com esporte. Sou neto de goleiro; meu avô era o Grande “Espanhol”, Bicampeão estadual pelo Galo mineiro na década de 40. Além disso, eu joguei handball pelo time do colégio em competições intermunicipais, mas foi na minha adolescência, acompanhando os memoráveis duelos de vôlei feminino entre Brasil e Cuba, que eu pensava: “o que deve estar passando pela cabeça destas jogadoras? Como será que elas aguentam tanta pressão e rivalidade?“. Lembro disso como se fosse hoje! Esse foi o motivo que me fez optar pela psicologia. Todavia, como lhe falei, não foi de imediato que comecei a estudar e trabalhar no esporte. Sempre soube que na hora certa acabaria nessa área, mas antes trabalhei com saúde mental e fiz minha especialização em teoria Junguiana. Tive o imenso prazer de trabalhar por três anos na Casa das Palmeiras, fundada pela Nise da Silveira, e tenho certeza que foi nesse período que me formei como psicólogo.

Depois de quatro anos formado surgiu a oportunidade de ingressar no esporte. Fui contratado por uma OSCIP que recebia o nome de Estação Conhecimento e era fomentada pela Fundação Vale. A proposta era trabalhar com jovens entre 10 e 18 anos que moravam em áreas de vulnerabilidade, em três modalidade: Judô, Futebol e Atletismo. Por três anos construí o departamento de psicologia das três equipes, que recebiam o mesmo nome: Brasil Vale Ouro. Foi um desafio enorme. Eram 500 crianças e adolescentes e eu era o único psicólogo. Contei muito com as parcerias de outros saberes que compunham as equipes técnicas: Educação Física, Fisioterapia, Assistente Social e Pedagogia. Foi uma verdadeira escola, pois cada modalidade tinha um objetivo diferente. O futebol era mais voltado à prática esportiva como ferramenta social. No judô o foco principal era alto rendimento, com alguns atletas que defendiam a seleção brasileira em suas respectivas categorias; já para o atletismo, a ideia era formação esportiva da base ao alto-rendimento. Como o desafio era enorme, optei por fazer minha segunda especialização, desta vez em Psicologia e Neurociência do Esporte. Foi também neste período que comecei a fazer parte do um grupo internacional chamado Sport & Society, onde uma vez ao ano profissionais das diversas ciência esportivas se encontram em uma conferência internacional para trocar suas experiências e debater as perspectivas e futuros desafios no ramo. Na minha primeira participação, eu pude apresentar um pouco deste trabalho na Estação Conhecimento em uma palestra ministrada em Chicago. Ao retornar ao Brasil, devido a alguns fatores externos, o projeto se desfez e acabei me afastando um pouco da Psicologia Esportiva enquanto atuação prática, mas por pouco tempo.

Após meu desligamento do Brasil Vale Ouro, fui convidado a compor o quadro de professores do Mundus Esportivus, um curso que ocorre anualmente no Fluminense. Permaneci no Sport & Society palestrando em Niterói e Toronto e ingressei no Mestrado, onde estudo a importância da coesão para prática esportiva infantil. Atualmente,  sou professor da Faculdade Unisuam, onde sou responsável, entre outras coisas, pelo estágio obrigatório em Psicologia Esportiva, e graças a isto, voltei à prática esportiva. Acompanho há dois anos o futebol do Olaria, participei da campanha vencedora do Madureira no Estadual de 2015 (fomos campeões da Taça Rio) e em 2016 fui convidado a participar do programa esportivo que acontece na Marinha, chamado “Força no Esporte”. Hoje também faço parte da diretoria da ABRAPESP – Associação Brasileira de Psicologia do Esporte.

Blog: Recentemente o técnico Dunga, alegou que os jogadores da seleção brasileira de futebol não precisavam conversar com psicólogo, “eu não sei pra quem o cara vai contar o que ouvir”. Por que o futebol profissional tem tanta resistência com a psicologia? Já que na base, muitas clubes possuem colegas desenvolvendo a psicologia do esporte?

Rodrigo: Lembro bem dessa fala do Dunga, da qual muito se falou na época. Nós da ABRAPESP também nos posicionamos em relação a este comentário dele. De certa forma, eu estendo essa fala como sendo uma forma de resistência frente ao desconhecido. Penso que a psicologia encontra essa resistência em outros segmentos da sociedade e nós, psicólogos, temos um pouco de culpa nessa realidade. O que o Dunga demonstrou, e eu estou apontando que isso é uma opinião que não se limita ao futebol profissional, é que as pessoas ignoram o que faz um psicólogo. Diversos são os motivos para isso; entre eles, está a necessidade de melhorarmos a forma e qualidade de divulgação desta ciência. Este é um dos motivos pelos quais eu divulgo tanto o seu Blog. Precisamos de mais espaços assim. Pelo que vejo, há atualmente um movimento maior neste sentido, mas ainda é pouco.

 Blog: Como você enxerga o atual cenário da Psicologia do Esporte no país?

Rodrigo: Acredito que passamos por um momento de expansão e atualização. Vejo crescer o interesse por nossa área e pessoas buscando maior especialização. Percebo isso especialmente em programas de pós graduação, congressos e eventos online. Posso falar do meu cotidiano, por exemplo. A minha primeira turma de psicologia esportiva na Unisuam tinha oito alunos; agora, passados dois anos, são aproximadamente 25. Ainda é muito pouco, mas não podemos ignorar deste quantitativo ter triplicado. Estamos em um ano olímpico e isto pode exercer grande influência na expansão e atualização do conhecimento, basta observarmos o número de psicólogos que participavam das equipes nos anos anteriores e quantos estarão em agosto nos representando. Não podemos deixar que esse movimento retroceda nos anos posteriores ao evento. Também não podemos divulgar a ideia de que o esporte se resume ao alto-rendimento, uma vez que este ocupa apenas 1/4 da realidade esportiva; há também os aspectos sociais, educacionais e de reabilitação do esporte.

 Outro ponto que mostra a expansão e atualização da área é o que vemos na ABRAPESP. Saímos daquela concentração de psicólogos da Região Sudeste e, atualmente, nossa gestão conta com profissionais de diversos estados e regiões nacionais. Entretanto, volto a dizer, isto ainda é pouco. Percebo que há um desejo na ABRAPESP de fazer com que a psicologia esportiva, de forma que não se limite ao alto rendimento, possa ser apresentada e discutida em cada canto do nosso país. Sabemos que este é um desafio enorme, mas vivemos há onze anos de desafios gigantes. Não poderia ser diferente na gestão atual. Precisamos dar continuidade àquilo que já foi construído até aqui.

Blog: Sempre pergunto ao entrevistados do blog, quais são as principais dificuldades enfrentadas no cotidiano?

Rodrigo: Não vejo como dificuldades, mas sim como desafios. Acredito também que eles são fundamentais para o nosso processo de crescimento e fundamentação. Esse assunto que conversamos até aqui seria um deles: o desconhecimento/desconfiança que existe quanto a nossa atuação. Poderia citar também o amadorismo que muitas vezes ainda encontramos no esporte nacional, mas vejo que isto vem melhorado bastante. O aspecto financeiro ainda é um complicador. Neste quesito, costumo dizer que a nossa classe é como vinho, melhora com o tempo! Entretanto, até lá, deve-se ter muita resiliência.

 Blog: Houve algo marcante que possa compartilhar nesse tempo em que está atuando?

 Rodrigo: Quando somos apaixonados por nosso labor fica mais fácil perceber fatos marcantes que em outras situações poderiam passar como despercebida. Resumirei alguns pontos só para esclarecer como é gratificante trabalhar, pesquisar e lesionar na Psicologia Esportiva. Além de poder viajar o Brasil e o mundo discutindo sobre esporte e conhecendo pessoas incríveis, posso citar, no mínimo, outros três pontos, todos no mesmo grau de importância:

(A) Perceber que muitos atletas com quem trabalhei souberam trilhar seus caminhos de forma honrada, honesta e digna de cidadania, mesmo que não tenha alcançado o esporte profissional, e ouvir destes que a Psicologia Esportiva foi fundamental em sua trajetória. Um inclusive se tornou meu aluno de Psicologia. Foi uma maravilhosa surpresa o reencontrar.

(B) Ver alunos apresentando suas próprias pesquisas em congressos nacionais e/ou multiplicando a Psicologia Esportiva em outras áreas frequentadas por estes.

(C) Participar de uma campanha vitoriosa com um atleta e/ou uma equipe. Acordar campeão é uma sensação muito boa!

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 Blog: Qual dica você sugere aos colegas que desejam iniciar a carreira na Psicologia do Esporte e atuar com o futebol?

Rodrigo: Não acredito que sejam dicas, pois penso que cada um escreve a sua própria estória. De toda forma, posso dizer alguns pontos que sempre repito para as minhas turmas, pois, para mim, foram providenciais:

  •    Não se limite ao futebol e nem feche as portas para outros segmentos da psicologia. Antes de qualquer coisa, você se formará como “psicólogo” e não em “psicologia do esporte”. A psicologia é uma área de atuação ampla, múltipla. Nunca se esqueça disso.
  •        Como falei antes, há muitos campos esportivos além do rendimento (educação, social, reabilitação); além disso, existem muitos times.; ou seja, a psicologia esportiva não se restringe aos clubes de grande porte e as seleções brasileiras.
  •      Busque sempre fazer análise (ou psicoterapia) e supervisão. Essas trocas são fundamentais no nosso processo de desenvolvimento profissional.
  •       Por fim, e obviamente não menos importante, estude muito, tanto conhecimentos específicos e técnicos, quanto complementares, como o inglês. Há muitos teóricos nacionais excelentes, mas uma gama enorme de livros e artigos fundamentais ainda não foram traduzidos para o português. A psicologia é uma ciência séria e a sua prática envolve um grau alto de responsabilidade. Trata-se, em suma, da saúde e do bem estar de pessoas, dentro de suas próprias escolhas/desejos. Portanto, estar bem preparado é imprescindível.

Blog: Qual o legado para nossa área após os grandes eventos esportivos que passarão pelo nosso país?

Rodrigo: Pergunta difícil essa, especialmente porque ainda estamos no finalzinho deste processo. Poderia dizer alguns, mas como a pergunta está no singular, eu diria que é garantir os espaços conquistados nessa década e saber que ainda há muito mais pela frente.

Blog: Compartilhe dicas, eventos, sites com os nossos leitores?

Rodrigo: Acontecerá no Rio de Janeiro, no dia 02 de julho, o I Encontro dos Psicólogos Esportivos do Rio de Janeiro. Fiquem atentos ao site e à página do Facebook da ABRAPESP (www.abrapesp.org.br); a equipe responsável pela comunicação sempre publica informações interessantes. Em 2017 faremos o nosso Congresso Nacional da Associação. Eu ofereço grupos de estudos (online e presenciais – estes, por enquanto, só no Rio de Janeiro). Os interessados em participar dos cursos podem entrar em contato pelo e-mail rodrigo.pieri@gmail.com

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Abraços…

Até!!!

1 comentário em “Entrevista – Rodrigo Pieri”

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