Estudo recém publicado em Revista Científica em Maio de 2024, aponta a opinião e perspectivas de diretores esportivos ou de performance sobre a saúde mental de atletas.
O artigo “Navigating athlete mental health: Perspectives from performance directors within elite sport“, (em tradução livre: “Navegando pela saúde mental de atletas: Perspectivas de diretores de desempenho no esporte de elite”). Foi
publicado no periódico cientifico, Psychology of Sport and Exercise, dos autores, Erin Prior, Anthony Papathomas e Daniel Rhind da Escola de Esporte e Exercícios da Ciência da Saúde da Universidade de Loughborough na Inglaterra.
O estudo nos mostra algumas perspectivas de diretores de performance sobre a saúde mental de atletas. Certamente, o conteúdo desse registro não pode ser generalizado como sendo a opinião de todos que exercem essa função, até porque, a amostra é pequena (11diretores entrevistados), sendo 10 homens e uma mulher. Abrangendo 11 esportes diferentes, sendo 3 eram em equipes e 8 em modalidades individuais. Dentre os participantes, dez deles morando na Grã-Bretanha e um na Dinamarca, com idades entre 37 e 62 anos. Entretanto, podemos refletir sobre os achados dessa pesquisa relacionando com a realidade esportiva na nossa sociedade.
Metodologia do estudo
O método utilizado pelos pesquisadores foram entrevistas com duração média de 1 hora e 40 minutos coletando ao todo 18 horas de dados. Após isso, os autores analisaram criticamente as respostas apresentadas. Foi utilizado um guia de entrevista semiestruturado e separado nas seguintes áreas:
1 – introdução geral (‘há quanto tempo você está em seu papel de diretor de desempenho?’);
2- percepções de saúde mental (‘o que você entende pelo termo ‘saúde mental’?’);
3- papel do participante em relação à saúde mental do atleta ( ‘qual você percebe ser o seu papel em relação à percepção da saúde mental do atleta?’);
4- políticas, diretrizes e recomendações em saúde mental (‘que tipo de fontes você utiliza para informar as práticas em torno da saúde mental dos atletas?’);
5- aconselhamento para aqueles que trabalham no ambiente esportivo ?’.
Destaques
Destaco alguns trechos importantes do artigo para nossa reflexão:
‘A saúde mental dos atletas é uma questão prioritária para a investigação em psicologia do esporte, bem como para as políticas e práticas das organizações esportivas ( Prior et al., 2022 ). A saúde mental é um conceito amplo relacionado ao bem-estar cognitivo, comportamental, social e emocional de uma pessoa ( Organização Mundial da Saúde, 2014 ). A definição frequentemente citada da Organização Mundial da Saúde ( Organização Mundial da Saúde, 2014 ) enfatiza a capacidade de um indivíduo de lidar com o estresse do dia a dia, realizar o potencial e contribuir para a sociedade. A saúde mental é mais do que a ausência de doença mental.”
De acordo com Keyes (2005) , saúde mental e doença mental são construtos separados, mas relacionados. Seu popular modelo de dois contínuos oferece uma saúde mental próspera ou debilitada juntamente com a presença ou ausência de doença mental. Para este fim, um atleta pode estar mentalmente doente, mas com boa saúde mental, por exemplo, alguém que está clinicamente ansioso, mas que consegue gerir isso de forma eficaz, ao ponto de ser capaz de prosperar nas suas atividades pessoais e profissionais. Da mesma forma, um indivíduo pode ter uma saúde mental deficiente sem uma doença mental clínica, tal como o atleta que está cronicamente sobrecarregado por pressões contínuas de desempenho, mas não cumpre os critérios clínicos para condições como ansiedade ou depressão. O modelo destaca a complexidade que sustenta as experiências de saúde mental e sugere os desafios que as organizações desportivas enfrentam para compreender o que um atleta pode estar a passar e que apoio pode ser oferecido.
De acordo com Grey-Thompson (2017) , as organizações desportivas de alto rendimento também têm o dever de zelar pelo apoio à saúde mental dos atletas e devem ser responsáveis pela medida em que o fazem. As estratégias sugeridas incluem considerar a saúde mental como um indicador-chave da eficácia organizacional ( Henriksen et al., 2020 ) e normalizar e validar a doença mental e a vulnerabilidade no esporte de elite ( Moesch et al., 2018 ). Há poucos conhecimentos sobre o que aqueles que ocupam posições de liderança no esporte estão atualmente a fazer, ou não, para apoiar a saúde e a doença mental dos atletas.
As diferenças nos diagnósticos entre saúde física e saúde mental
Um ponto interessante levantada por alguns diretores foi como diagnosticar:
“Os diretores de desempenho viam a saúde física, com a sua objetividade e mensurabilidade percebidas, como a referência para a forma como a saúde mental poderia ser avaliada. Sem “um scanner” para ver a lesão, era difícil determinar se um problema era “válido”. Como tal, os diretores que mantinham a saúde mental nas mesmas expectativas que a saúde física questionaram a legitimidade das divulgações e expressaram desconforto face à “invisibilidade” da doença mental em comparação com a doença física. Por exemplo, os diagnósticos físicos utilizam frequentemente marcadores biológicos subjacentes, algo que geralmente não é viável no caso de doenças mentais. Assim, as comparações entre saúde mental e saúde física podem ser falhas, com o potencial de deixar os diretores de desempenho com expectativas irrealistas em relação ao diagnóstico, tratamento e recuperação de doenças mentais. Por exemplo, pode-se esperar que os atletas demonstrem sinais e sintomas visíveis para validar as suas preocupações de saúde mental, como acontece frequentemente com doenças ou lesões físicas. Isto pode encorajar uma cultura de desconfiança entre os diretores de desempenho e os atletas, com os atletas a sentirem-se incertos de que as suas revelações serão acreditadas na ausência de sintomas físicos.”
Embora as organizações possam ter preocupações sobre a legitimidade de algumas revelações de doenças mentais, é importante considerar como o ceticismo e a falta de confiança podem afetar um atleta que revela preocupações de saúde mental. As barreiras aos comportamentos de procura de ajuda nos atletas incluem a preocupação sobre como serão percebidos pelos seus pares, treinadores e gestores desportivos, e experiências passadas negativas quando procuram apoio de saúde mental ( Castaldelli-Maia et al., 2019 ).
O estudo aponta algumas respostas importantes sobre a questão do diagnóstico:
“Existem muitos fatores relacionados ao início e manutenção de problemas de saúde mental e doenças mentais em atletas (ver Purcell et al., 2019 ), portanto, compreender os fatores de risco e a causalidade é complexo. A sugestão de que as preocupações com a saúde mental dos atletas podem ser devidas a uma predisposição genética é uma simplificação excessiva que localiza o problema dentro do atleta e não considera o contexto de desenvolvimento. Conceber a doença mental como resultado de uma anomalia biológica é um equívoco comum da abordagem psiquiátrica medicalizada (ver Deacon, 2013 ; Gergel, 2014 ). Tal percepção de causalidade nega o papel que as culturas desportivas de elite desempenham na carga de saúde mental dos atletas (ver Küttel & Larsen, 2020 ) e transfere a responsabilidade pelas preocupações de saúde mental para os atletas.”
A tendência de promover uma narrativa de responsabilidade pessoal pela saúde mental é generalizada e não exclusiva dos diretores de desempenho (ver Corrigan et al., 2007a ; Ebneter et al., 2011 ; Feldman & Crandall, 2007 ). É uma crença que pode apresentar implicações positivas e negativas. Por um lado, reconhecer a responsabilidade pessoal das pessoas com doença mental pode proporcionar uma sensação de autonomia e controle na sua jornada de recuperação ( Turner & Frak, 2001 ). Por outro lado, quando a recuperação não ocorre e a doença persiste, as pessoas com doença mental podem ser responsabilizadas injustamente (ver Papathomas et al., 2015 ). Isto pode levá-los a experimentar baixos níveis de compaixão e apoio e altos níveis de evitação e punição por parte dos outros ( Corriga et al., 2007a ). Para este fim, os diretores de desempenho que exageram na capacidade de um atleta para resolver os seus próprios problemas de saúde mental correm o risco de criar uma cultura que não apoia. Portanto, o fato de os diretores de desempenho atribuírem a responsabilidade pela resolução de problemas de saúde mental pode afetar a forma como os atletas são tratados por outros no ambiente esportivo de elite.
Outro apontamento relevante dos autores, diz respeito a ‘positividade tóxica’, que muitas vezes atrapalham o cotidiano dos atletas:
“Os diretores de performance simplificaram demais a saúde mental, sugerindo um foco no “positivo” e enfatizando estar em condições mentais máximas. Eles também ofereceram uma visão higienizada da saúde mental, limpando-a do lado mais sombrio de conviver com doenças mentais no esporte. Dentro desses pontos de vista simplificados e higienizados, falta a valorização das nuances da saúde mental das pessoas. O modelo de Keyes (2005) explica esta nuance, afirmando que o florescimento (presença de saúde mental) e o enfraquecimento (ausência de saúde mental) podem existir juntamente com a presença ou ausência de doença mental. Compreender a presença ou ausência de saúde mental e a presença ou ausência de doença mental como duas dimensões relacionadas, mas distintas, pode ajudar os diretores de desempenho a reconhecer que focar na manutenção da “saúde mental positiva” pode não ser suficiente ao apoiar atletas que sofrem de doença mental. Embora seja sem dúvida importante encorajar os atletas a manterem a sua saúde mental, esta ênfase pode ter implicações para os atletas que enfrentam problemas de saúde mental ou doenças mentais. Por exemplo, se a mensagem promovida em ambientes de alto desempenho é que para ser um atleta de sucesso é necessário estar nas melhores condições físicas e mentais, aqueles que não preenchem estes critérios podem experimentar estigma, percebendo-se como não estando à altura dos padrões da elite.”
Masculinidade
É digno de nota que a maioria dos participantes deste estudo se identificou como homem, com apenas um participante se identificando como mulher. Portanto, é importante considerar como o gênero pode impactar as percepções de saúde e doença mental. Estudos sugerem que os homens têm atitudes mais estigmatizantes em relação àqueles com depressão, ansiedade e ao suicídio em comparação às mulheres. Os homens podem ser mais vulneráveis a atitudes e crenças estigmatizadas em relação à doença mental, uma vez que a experiência de uma doença mental pode ser considerada uma transgressão dos ideais de gênero, incluindo a força masculina e a autossuficiência. Esta percepção é particularmente prevalente em ambientes dominados por homens que são altamente competitivos e onde a resistência mental e física é considerada primordial, por exemplo, no esporte. ( Delenardo & Terrion, 2014 ; McKenzie et al., 2022 ; Wood et al., 2017 ).
Concluindo
As conclusões dos autores do estudo evidenciam que diretores devem priorizar o desenvolvimento de habilidades emocionais para que possam compreender melhor as questões relacionadas a saúde mental no ambiente esportivo.
“Em todos os temas deste estudo, interpretamos a falta de conhecimentos relacionados com a saúde mental, uma visão excessivamente simplista da saúde e da doença mental e expectativas irrealistas e problemáticas em relação à recuperação da doença mental. A educação que explica as complexidades e nuances que rodeiam a saúde e a doença mental é necessária para aqueles que ocupam posições de liderança no desporto de elite. A educação para diretores de desempenho deve explicar as teorias de causalidade das doenças mentais; como a saúde mental difere da saúde física; como o estigma pode ser perpetuado e reduzido; e o processo muitas vezes não linear de tratamento e recuperação. Esses tópicos podem ser melhor explorados por meio de workshops em grupo que incentivem os diretores de desempenho a refletir e compartilhar suas próprias experiências de compreensão e apoio à saúde e doença mental dos atletas.”
Suponho que na nossa realidade poderíamos ter respostas bem similares de nossos diretores, supervisores ou dirigentes esportivos. Por mais espaço que assuntos referentes a saúde mental no esporte vêm ganhando relevância nas mídias em geral no nosso país nos últimos anos, esses movimentos são muito mais realizados por atletas que se encorajam e tornam público suas experiências do que por pessoas que estão em cargos de lideranças ou instituições que se engajam em projetos visando impactar positivamente a saúde mental das pessoas envolvidas com o esporte. Isso incluí, eles próprios, que também podem sofrer das pressões negativas que esse ambiente propicia.
É fundamental salientar que programas de saúde mental e preparação psicológica no esporte deveriam ser implementados com co-responsabilidade de gestores, da mesma maneira do suporte existente na saúde física. São fatores que estão relacionados, deveriam ser encarados como investimentos nos ativos mais importante de qualquer instituição, os seres humanos que representam o clube. Sendo esses: atletas, treinadores, membros de comissão técnica, diretores ou colaboradores em geral.
Referências
Erin Prior,Anthony Papathomas,Daniel Rhind, 2024. Navigating athlete mental health: Perspectives from performance directors within elite sport. Psychology of Sport and Exercise. https://doi.org/10.1016/j.psychsport.2024.102661
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Fundamental abordar a saúde mental do/as esportistas e profissionais do esporte, que sofrem pressão significativa! A exigência de alta performance e o tempo dedicado aos treinamentos também podem impactar as relações sociais e afetivas e o tempo para o lazer, fundamentais para a saúde mental Parabéns pelo trabalho! 😉